Quando criança eu pegava minhas peças de dominó, monta-tudo e lego, juntava com as grades de plástico da fazendinha e os bonecos dos smurfs e construía mansões, com piscinas feitas de potes rasos de margarina e garagem com 6 carros.
A minha imaginação era tudo! Eu tinha casa na cidade com elevador e 6 suítes, casa na praia de frente para o mar, casa na montanha, fazenda com pista de bicicross e cachoeira, apartamento em Nova York e quando descobri o significado da palavra “haras”, passei a ter um também, onde colecionava cavalos Campolina.
Eu brincava que era uma médica-advogada-arquiteta-jornalista super famosa e respeitada de onde vinha toda a minha fortuna que eu investia nos imóveis.
Aquela era a minha realidade e eu era incondicionalmente feliz. E esse passou a ser, então, o grande sonho da minha vida. O sonho de ter a minha casa, decorada à minha maneira, com adesivos na parede de frases da Clarice que eu gosto, bancadas de granito para as noites de tesão, escritório com todos os meus livros, uma suíte com banheira para meus banhos de homenagem, uma cama gigante onde eu coubesse na diagonal, uma sala de TV confortável e, porque não, uma piscina onde eu ia passar as horas do meu verão. Enfim, um lugar onde eu pudesse levar meus convidados e andar nua sem qualquer pudor.
Acontece que a vida me tem sido revés nesse sentido. Desde criança que me sinto sem meu lugar. Era eu quem sempre deixava a cama e as gavetas do meu armário organizado quando chegavam as visitas, ou quem cedia o lugar à mesa e quem também devia emprestar os brinquedos, a bicicleta e sempre deixar que brincassem na minha ‘casinha’.
Na adolescência rebelde morei um tempo no quarto de TV e quando achei que, finalmente, teria um lugar para chamar de minha casa, descobri que de minha ela não tinha nada. Fui, então, gentilmente convidada a me retirar por alguém a quem chamava carinhosamente de ‘my brother’, mesmo ocupando um pequeno espaço, participando da divisão desigual das contas e das tarefas do lar, mesmo recolhendo a minha opinião e existindo à míngua num lugar cada vez menos meu, vivendo sempre com a mochila nas costas na casa dos meus amores que me acolheram gentilmente.
E como não sou de baixar a guarda, guardei meu rancor e minha mudança e parti para outro lugar que acreditei ser, então, o meu primeiro! Mas nada ali era meu, nem os vizinhos. Meu strogonoff não tinha gosto naquela cozinha, receber as visitas não tinha graça, tinha medo dos passeios pelo corredor e do barulho acidental. Meu quarto era o meu forte, que dividia alegremente com um gato e um cachorro, com aquela frase na parede que me colocava forte a cada manhã.
Na verdade, a sensação ali era a de viver num barraco colocado bem no centro de uma favela, dominada pelo tráfico, do qual deveria sair assim que a ordem partisse do traficante, sob pena de morte.
E a ordem partiu, sem mais nem menos, sem previsão, covardemente. Como se eu incomodasse feito úlcera, quando eu mal me fazia existir. Incrédula, pensei que felizes mesmos são os mortos que terão o seu lugar eternamente, seja ele qual for. E o meu, cadê? Dizem que quando você quer realmente uma coisa basta crer que ela virá. Pois bem, pelo tanto que desejo e pelo tempo que já espero por isso, acredito cada vez mais que o milagre virá em forma de uma magnífica mansão com área de lazer ou uma cobertura num ponto nobre da cidade.
Mas enquanto o milagre não vem e morar é preciso, sigo em busca de um novo lugar pra chamar de meu. A vida corre rápida, os financiamentos dos bancos me confundem, o plano habitacional do Lula não me ajuda, a mega sena me decepciona, mas não posso desistir. Porque eu sei que um dia, vou saborear a minha comida, feita na minha cozinha, na companhia das minhas visitas, depois de ter tomado um banho demorado no meu banheiro e desfilado nua pela casa inteira, sem ter medo de chorar alto, sem a preocupação de gargalhar, sem o pesar de existir!
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